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Quando Gil vale mais que dois olhos azuis

É, gente, esse blog andou meio abandonado. Negligenciado mesmo. A pedidos, resolvi “tentar” voltar a atualizá-lo com frequência – alguma que seja. Antes de qualquer coisa, é preciso voltar a origem da comichão por escrever. Era 2007, a China desconhecida, Olimpíadas por vir. Minha segunda vida internacional. Sonho de infância de aprender uma língua oriental. Dubai no meio. Volta ao Brasil, mas os passeios continuaram pela longínqua Ásia e a logo ali Europa.

Eis que a vida caminhou e se desenvolveu por uma descoberta tupiniquim, que representou uma descoberta em mim mesma. A vida na Bahia e mudar a bússola do além-mar para o aqui dentro doeu, esvaziou e preencheu. Explico: admitir que desconhecemos tanto o País em que nascemos e vivemos é um exercício doloroso. Esvazia, porque é preciso reconhecer com humildade que de nada sabemos, que temos visões distorcidas e errôneas de muita coisa. E preenche porque passamos a nos conhecer. Ter o vizinho como parâmetro é muito mais fidedigno do que buscar exemplos de longe. Ou até mesmo “sob o olhar turístico”. Que assim seja. E foi. Que conhecer o Brasil me ajudasse a me conhecer, a entender minhas ações, revisitar algumas coisas e autoafirmar outras.

Setembro de 2012. O CEP virou Salvador, Bahia. A capital nordestina que se resumia a mim: férias com os pais no Club Med, axé que invadiu meu carnaval e um lugar que ficava a uma hora do Recife. Ponto. Arrogância idiota. E o objetivo: dois anos para ir a SP. Arrogância duas vezes idiota.

Farol BahiaElevador Lacerda

Posso falar da Bahia? Porque sorria. Ela é muito mais que o carnaval. Ela é bem resolvida. Se basta. Em si. Problema? Quem tem é você com ela. Ela está nem aí.

E se abrir para esse modus operandi é te jogar contra teu espelho e questionar onde você está. E assim, Gilberto Gil substituiu Chico Buarque no meu coração.

Em “Viramundo” – documentário em que o nosso ex-ministro da Cultura viaja pelo mundo em busca do sentido do que é “pertencimento”, tudo termina na Bahia. Começa com os índios da Amazônia tentando ser reconhecidos pelo idioma e tudo que são, os aborígines da Austrália, os negros que sentiram e ainda sentem no arpatheid da África do Sul. E depois de buscas e explicações, tudo termina na Bahia, numa indicação do que seria o caminho da paz e da aceitação. Como não <3?

olodum  Pelourinho

Na Bahia, bonito é ter cabelo. E cabelo é black, grande e enfeitado. Porque a gente mostra o que é mais lindo. Bumbum lindo é o da baiana. Quanto maior, melhor. Assim seja. Porque somos latinas, descendentes de africanos e é tudo gente grande. Roupa tem que ser colorida, tribal e sim, é preciso dizer: “sou 100% negão”. A missa é customizada: toca tambor, tem dança, batuque, porque não é pecado assumir a sua cultura e deixa-la contaminar tudo que é possível. Até porque a negritude é tão viva que no Curuzu – aquele mesmo da ladeira da música de Daniela Mercury – ainda se fala orubá, a língua nativa dos escravos que foram trazidos para lá. E tudo salvaguardado pelo Vovô do Ilê Ayê, ancião que guarda as tradições e ensina às gerações seguintes a história dos antepassados. #SónaBahia. Que vergonha, Brasil, não saber disso!

baianasIlê

O baiano é o povo mais slash/slash que conheço. Pura tendência. Ninguém é só uma coisa. Todo mundo é advogado, mas também surfa. É professora, mas também toca bateria numa banda. Ai, <3! Também permitem viver a fé que quer. Levam a sério. E como é lindo devotar energia e tempo para viver o etéreo. Isso não é para os fracos. Assim como ver a fila imensa para tomar axé das baianas na Festa de Iemanjá, observar a entrega das oferendas no mar e escutar a oração “Que as tristezas vão embora e a alegria volte com as ondas do mar”.

Lembrancinha no Dia de São Cosme e Damião. Caruru o dia inteiro e muito sincretismo

Lembrancinha no Dia de São Cosme e Damião. Caruru o dia inteiro e muito sincretismo

Povo toma conta do Rio Vermelho para entregar as oferendas no dia 2 de Fevereiro

Povo toma conta do Rio Vermelho para entregar as oferendas no dia 2 de Fevereiro

É, Bahia, isso mexe com milhares de demônios. De quem estica o cabelo. De quem faz lipoaspiração para diminuir o quadril. De quem não mergulha no mar porque tem medo. Se você faz tudo isso sem recalque, ok. Agora, se faz para ser “agradador”. Lamento, você só agrada a sua dor. Entendes por que és tão única? Foi lá que, depois de ser expulsa do coral da escola e de o professor de flauta desistir de mim, um “negão black power” conseguiu me ensinar a tocar alguns batuques. Lá no Candeal de Carlinhos Brown. Onde a música pacifica, cura e a violência se foi na hora que a assumiram como vocação natural e passaram a ganhar dinheiro com esse dom. Pertencimento. Aceitação. O <3!

aula de batuque

Foi lá que os meus demônios interiores se acalmaram, depois de uma verdadeira micareta interna. Eu que tinha um road map de ações na minha carreira, com a arrogância de quem achava que sabia onde estaria em x anos, ganhando x $, descobri que a gente não tem domínio de nada, não sabe de nada. A gente reproduz modelos do que é certo para os outros. Vestir-se assim, pesar assado, falar de tal maneira.

A Bahia cutucou todas essas minhas certezas e o mundo veio abaixo. Mas, me tornei maior, sei mais quem sou. Verdadeiramente sou. Não o que os outros esperam ou querem. Agora, eu sinto mais, projeto menos. Ainda sou um trabalho em construção, mas a Bahia montou meu alicerce. Axé, <3! Porque o tempo é rei, sábio. Mas, passar por alguns lugares faz toda a diferença.

altar com fitas

Altar na Igreja de Nosso Senhor do Bonfim. Toda proteção que o ❤ merece

Especialmente, quando tem Copa no meio, jogo na Fonte Nova e Olodum tocando no final. Quantas aventuras, Bahia. Um mês de cerveja e abará como dieta básica, muitas risadas e sendo chamada de “gringa”. Com direito a abraçar o farol embaixo de chuva. #SónaBahia. Para sempre. Os amigos de lá para sempre. O Rio Vermelho para sempre. O bairro boêmio. Red River never stops. A qualquer hora do dia sentar no Largo do Acarajé da Dinha, tomar cerveja junto com playboy, rastafári, pai de santo, patricinha. Só na Bahia.

Bayana System - som experimental com batucada, discotecagem e tudo que há de mais trendy

Bayana System – som experimental com batucada, discotecagem e tudo que há de mais trendy

Ai, a Copa!

Ai, a Copa!

Quando tem Por-do-sol no Museu de Arte Moderna, ao som de Jazz. #SónaBahia

Pier do Museu de Arte Moderna. Aos sábados, sunset com palmas e muito jazz

Pier do Museu de Arte Moderna. Aos sábados, sunset com palmas e muito jazz

Quando tem show do Bayana System #DaBahiaparaomundo

A Fifa Fun Fest virou meu endereço durante a Copa #positivevibes

A Fifa Fun Fest virou meu endereço durante a Copa #positivevibes

Quando tem praia – sim, na Bahia tudo fecha cedo, porque o baiano é um povo solar. E até eu me rendi a tanto sal – Sim, Salvador tem alta concentração de maresia/salitre. Não estranhe, se ao sair do mar, a sua sobrancelha estará branquinha

Surf, tatuagem e reggae na Praia do Flamengo

Surf, tatuagem e reggae na Praia do Flamengo

No dia de ir embora, um e-mail disparado para todos os contatos do Norte ao Sul. Mensagem de agradecimento e informando que estava indo trabalhar nos Jogos Olímpicos. Mensagem do maior crítico cultural da Bahia e um dos melhores do País, criador do termo axé music: “Ana, Vou sentir saudade de você na Bahia, mas boas vibes sempre hão de acompanhar alguém tão massa como você – alguém não, você, única. Sucesso, e sim, não vamos perder contato”.

Em minutos mais tarde, o retorno de um jornalista do Recife: “Sucesso, Ana. Manda teu contato para apurar assuntos dos Jogos”.

É, eu já fui essa pessoa com pressa. Hoje, eu SOU mais. Sinto mais. Obrigada, Bahia. Com direito ao scrapbook feito pelos amigos mais carinhosos da América Latina, como toda pernambucana exagerada é 😉

Mensagem carinhosa no espelho do banheiro na volta das férias #SónaBahia

Mensagem carinhosa no espelho do banheiro na volta das férias #SónaBahia

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