A Vila – o começo, o caos, a crise

Bem, como era de se esperar, não tive tempo de atualizar meu blog, como gostaria muito. Foi punk. O período mais intenso de trabalho na minha vida, coroando o que já vinham sendo os dois anos mais corridos da carreira.

Aprendi e vi tanta coisa, que está dando vontade de escrever. Até para entender a magnitude do que vivi.

Como já havia comentado antes, pressão é um elemento presente e preponderante nesse desafio que é entregar o maior evento do mundo. Mas a situação ativa aqueles conhecimentos que você usa e nem imagina que rima com esporte: negociação, empatia, convencimento, rapport.

 

Nos 60 dias que vivi na Vila, testemunhei o melhor e o pior do Brasil. Senti o peso – e as consequências – da cultura do “último minuto”. Também vi que planejamento evita que o pior aconteça, mas que ser criativo quando as coisas saem do controle apaga muito incêndio.

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Sim, teve crise na Vila. É leviano apontar culpados. O fato é que a água, o gás e a eletricidade foram liberados faltando 10 dias para a chegada do primeiro atleta. Por consequência, o teste de stress no encanamento foi feito pelo hóspede. Se poderia ser evitado por uma força-tarefa? Talvez.  O fato é que aqui reside uma lição: Em qualquer projeto em um país que não seja o seu, leve alguém local de confiança e escute. As coisas podem ser bem diferentes do que você está acostumado.

A crise estourou enquanto eu estava presa em uma sala de reunião com as minhas delegações. Na famigerada DRM – Delegation Registration Meeting – somos responsáveis – juntamente com o time de Credenciamento e Entradas Esportivas – em checar se estão entrando na Vila os atletas devidamente qualificados e se, por consequência, os credenciados estão dentro da cota permitida. Em decorrência do tamanho da delegação, sabe-se a que as delegações tem direito: carro, van, tamanho do escritório, quantos quartos, etc.

Algumas reuniões duraram até 9 horas. Caso da Índia. Tivemos que literalmente seguir com várias discussões até que o responsável lá da Ásia acordasse para definir uma questão.

No meu caso, havia ainda um fator que complicava o cenário. Com a quantidade restrita de voos vindo da Ásia para o Rio de Janeiro, as delegações começaram a chegar juntas. Dormiam no sofá esperando a DRM terminar para que a sua começasse.

 

Isso me deixou isolada de algumas das confusões, mas também de mãos atadas para resolver qualquer problema. Quando me libertei dessa rotina, vi as minhas delegações enfrentarem problemas desde falta de água quente a gás vazando. Senta e negocia quais as prioridades. Nesse cenário, havia delegações – como a Austrália – em situações bem piores. É a hora que o relacionamento funciona. Como estava há dois anos no Comitê, sabia exatamente quem resolvia o quê. E usava do meu bom relacionamento com essas pessoas. No caos, não tem processo. Tem gente que resolve. Mãos à obra.

E assim foram os meus primeiros dias. A Índia, top 50 nas Olimpíadas, estava no prédio conhecido como “Favela”. É a hora que você dá todos os jeitinhos no mundo para deixar o Chef de Missão feliz, porque o carinha tinha razão de reclamar.

Já estava insatisfeito com a localização do prédio – no último condomínio, ao lado do prédio do Brasil. Ter encontrado o escritório cheio de poeira e aos pedaços …

Mas aqui reside um aprendizado. A Índia com uma das delegações maiores nunca tinha visitado a Vila. Não entendia da disposição dos prédios, da localização do Refeitório, Academia. Delegações bem menores vinham visitando o Brasil e as instalações olímpicas desde 2013. Sabiam exatamente o que pedir, o que trazer. Haviam visitado os restaurantes. Entendiam que o Rio oferecia opções restritas de comida asiática. Obviamente que isso impactaria na alimentação dos atletas, ainda mais numa situação de cortes financeiros. Resultado? A maioria montou cozinhas em apartamentos localizados nas redondezas. Trouxeram seus temperos.

É claro que os indianos começaram a usar esse mau trato como moeda de troca. Para abrir uma exceção aqui e aceitar pedidos fora do prazo. Um passe extra para visitar a Vila. Mas aí é quando a gente tem que colocar um ponto final, usar o bom senso. Negociação. Nunca fui tão feliz em ter feito dois cursos na área. Recomendo a todos a estudar a metodologia Harvard. É uma receita de bolo. Você entende quem joga, como joga e por quem joga.

 

O texto já está bem longo. Tenho certeza que começarei a lembrar dos pedaços do quebra-cabeça. Nos próximos dias, tentarei contar mais sobre o dia-a-dia, lições de liderança, curiosidade. Tem pergunta? Manda aqui. Se der, respondo.

 

Até mais!

 

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